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Dolarização é estratégia de proteção contra inflação. Mas como fazer?
O poder de compra dos brasileiros tem sido corroído ano após ano pela inflação. No entanto, aqueles que, no passado, dolarizaram parte de seus investimentos — especialmente quando o real mantinha paridade com o dólar — enfrentaram menos perdas do que quem manteve todo o portfólio concentrado na moeda local. Por isso, ainda que o câmbio atual esteja desfavorável ao real, investir uma parcela do patrimônio no exterior continua sendo uma estratégia vantajosa para proteção e diversificação, de acordo com o Santander.
Isso acontece porque, ao longo dos anos, o dólar perdeu menos valor do que o real. Para se ter ideia dessa depreciação, no acumulado de 30 anos, o brasileiro perdeu quase o triplo do poder de compra de quem tinha dólar.
De acordo com um levantamento do Santander, com base na inflação dos dois países (Brasil e Estados Unidos), R$ 100 em 1994 equivalem atualmente a R$ 12,58, enquanto os mesmos US$ 100 hoje valem US$ 46,41. Ou seja, a inflação corroeu muito mais o real ante ao dólar nesse período de três décadas.
Enquanto a média de inflação nos Estados Unidos têm uma menor volatilidade, por aqui, mês a mês, os preços podem variar muito, o que traz ainda mais importância para a diversificação dos investimentos com exposição ao dólar, explica Caio Camargo, estrategista de investimentos do Santander.
O que é “dolarizar” uma carteira de investimentos?
A dolarização consiste em manter parte da carteira de investimentos em uma moeda forte — neste caso, o dólar. Segundo Camargo, do Santander, no atual cenário macroeconômico e de incerteza global, independente do câmbio, continua valendo a pena expor parte do portfólio ao dólar porque — pelo menos até agora — "nenhuma outra moeda consegue bater de frente com o dólar, já que os Estados Unidos são a hegemonia global”.
Com a dolarização da carteira, o investidor tem duas caixinhas diferentes: uma no seu país, com um determinado risco, e outra nos Estados Unidos, com cenário de risco diferente, o que ajuda a equilibrar a carteira em momentos de alta volatilidade.
Por que dolarizar a carteira?
A inflação diminui o poder de compra das pessoas ao longo dos anos. Na prática, isso quer dizer que os R$ 100 em 1994 não compram as mesmas coisas atualmente. Na verdade, só compram o equivalente a R$ 12,58.
Mas se engana quem pensa que só a inflação nos afeta: a depreciação cambial, ou seja, desvalorização do real em relação ao dólar, também impactam nosso bolso, tendo em vista que parte da cesta de consumo dos brasileiros, como alimentos e combustíveis, são atrelados ao dólar.
Um estudo da FGV mostrou que qualquer camada de renda socioeconômica no país tem uma exposição à variação cambial no componente de inflação, podendo ser de cerca de 15%, a depender da renda, o que torna ainda mais importante a diversificação na moeda norte-americana.
Além disso, apesar da mudança no rating da Moody 's para os Estados Unidos — que alterou a nota máxima de investimento do país —, no comparativo com o Brasil, no ranking de notas de crédito, os EUA estão entre os países com melhor colocação, alcançando o 13º lugar atualmente, enquanto o Brasil não está nem entre os 50 primeiros. Isso demonstra, segundo Camargo, que a dolarização também é uma “proteção contra o risco”. “Indiscutível ainda é um bom país [o Brasil] para se investir porque a probabilidade dos EUA não pagar a sua dívida é pequena”, comenta ele.
Outra vantagem é que diversificar em dólar reduz os impactos gerados por questões geopolíticas e traz mais possibilidades para o portfólio do investidor.
Tendo em vista que as bolsas dos EUA são as maiores, isso traz mais possibilidades de setores para a carteira — incluindo segmentos escassos na bolsa brasileira, como inteligência artificial, biotecnologia e ESG. Além disso, por lá ter um volume maior de negociação, a liquidez (transformação do ativo em dinheiro) também é maior.
“Temos uma bolsa [a B3] com 300 empresas, sendo que o principal índice deles tem 500, então, são grandezas diferentes. E a gente ainda carece de algumas posições, por exemplo, tecnologia. As maiores ações de tecnologia do mundo estão lá e são os principais líderes, Microsoft, Nvidia, Apple, Amazon, Google", pontua o estrategista.
Por outro lado, para quem quer dolarizar a carteira, pode pensar que a rentabilidade nominal da taxa de juros dos EUA, se comparada ao Brasil, parece pequena, tendo em vista que a Selic está em 14,75% e por lá os juros estão no patamar entre 4,25% e 4,50%. No entanto, Camargo explica que, no fim das contas, o que se busca com a exposição da carteira à moeda norte-americana é a proteção contra a inflação. Por isso, para o estrategista do Santander, mesmo no atual cenário, com incerteza global e geopolítica instável, dolarizar a carteira é passo essencial para todo investidor.
Como e quem deve dolarizar?
De acordo com Camargo, o dólar se valoriza tanto pelo fortalecimento da própria moeda, quanto pela desvalorização do real. E, claro, é preciso levar o câmbio em consideração nesta conta. A recomendação é que o investidor pense no longo prazo e em fazer as alocações em diferentes momentos, o que vai impactar o preço-médio do câmbio ao longo do tempo.
Na visão do estrategista, todos os investidores devem ter um percentual de exposição ao dólar em carteira, incluindo os mais conservadores. O que vai mudar de um caso para outro é o percentual da carteira e o tipo de ativo que vai integrar o portfólio, respeitando o perfil de investidor de cada um. “Não é porque eu estou investindo em outro país que eu vou desprezar outros ativos e vou só investir em ações. Tem que montar uma carteira adequada ao seu perfil”, destaca Camargo.
A recomendação dele é replicar lá fora mais ou menos o perfil brasileiro, o que vai fazer com que o investidor não tome "muito mais risco que o seu perfil permite".
Veja as sugestões de como dolarizar a carteira:
- Perfil conservador: entre 5 a 10% da carteira; título público americano e crédito privado;
- Moderado: entre 20% e 30%; além de renda fixa, adicional de percentual em renda variável;
- Arrojado: entre 20% e 30%; todos os ativos que o investidor desejar.
Segundo Camargo, à medida que o investidor conservador vai conhecendo mais sobre o mercado, é possível incluir outros ativos de renda variável, como fundos imobiliários dos EUA.